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Aquarela

Aquarela, Outros . 07 maio 2021

Durante os últimos anos da minha vida aquarela foi o meu medium favorito. Mas, de uns tempos para cá, como consequência das mudanças (de ordem material e imaterial) que tive de atravessar – incluindo ficar um ano trancada e isolada em meio à uma pandemia em um país estrangeiro – cresceu em mim uma necessidade de experimentar outras formas de me expressar. Daí um dia eu resolvi comprar um tablet e (re)descobri na arte digital um jeito mais prático e portátil de criar imagens, sem mencionar a economia de material à longo prazo. Mas descobri sobretudo um lugar seguro para errar quantas vezes eu precisasse, sem me sentir comprometida pelo processo.

Parece que, com isso, eu desdigo tudo que um dia disse a meus alunos. Sempre fui do tipo mais pró-aventura, aquela que se lança no escuro, que fecha atrás de si as portas dos lugares onde não caibo mais sem qualquer certeza sobre o amanhã. Mas, depois de muita andança, depois de muito ter de dar conta sozinha desse caminho não tão fácil que escolhi, sinto finalmente necessidade de repousar, de me recolher, de criar laços e ter para onde voltar. Sinto vontade de não precisar mais me arriscar.

De algum modo inexplicável acho que a minha arte hoje reflete esse anseio por segurança e estabilidade. Do mesmo modo que cansei de errar por aí, entre lugares e pessoas e empregos, cansei também de me desdobrar para contornar a natureza da água. Aquarela é como uma dança que, para ser bem sucedida, tem de ser em par. É preciso assimilar a física do mundo e se fundir à ela, induzindo assim as formas, as cores, as bordas, os detalhes. Ela é também a arte da paciência: tem de se aguardar o papel secar e re-estabelecer a sua forma plana para somente então adicionar uma nova camada. Trata-se, como podem ver, de uma dança que não funciona, portanto, em descompasso, mas em alinhamento.

Aquarela, como cada técnica, tem muito a nos ensinar. E é certo que um dia eu retornarei à essa prática que me foi tão importante e que me abriu para tantas vivências incríveis, aqui registradas. Mas a partir de hoje eu quero conforto, para que eu possa seguir livre e honesta comigo e com meu processo criativo.

Tarcila Alvarenga
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